terça-feira, 19 de outubro de 2010

Se Meu Fusca Falasse...

Quem me conhece, sabe que eu tenho atração por mulheres fortes. Não estou falando de fisiculturistas, mas de personalidades marcantes. Mulheres decididas, determinadas. Sempre gostei do desafio que é a relação com esse tipo de mulher. Mas já tive problemas por causa disso.
Sim, meus caros, aqui vai se tornar pública mais uma derrota na vida deste que vos escreve. O ano era 1996. Na época eu estudava medicina na UFF, morava no Recreio e tinha um Fusca 1974 que me ajudava (ou atrapalhava!) no trajeto entre os dois lugares. Quem já teve um Fusca, entende o que vou contar. Aquelas bolotas de lata eram guerreiras. Aguentavam o tranco mesmo. Qualquer esquina tinha um Zé que soubesse consertar aquele motor de autorama com fermento. E todo Fusca tem suas particularidades, as suas manhas. Uma das peças que o meu me pregava era o banco do motorista sair do trilho com qualquer troca de marcha ou acelerada mais brusca. Uma arrancada no sinal e lá ia eu com as pernas pra cima, tendo que me virar pra manter o controle.
Mesmo sendo cheio de macetes, ou talvez por causa deles, todo dono de Fusca tem uma relação de amor e ódio com seu veículo. E eu não era diferente. Afinal era com ele que eu curtia minhas noitadas e minhas namoradas. E era ele que me levava pra Niterói. Um dia, numa bela tarde ensolarada na cidade sorriso, eu pego meu lindo Fusca no estacionamento do Hospital Antonio Pedro, com minha roupa branca e minha maletinha, saio tranquilamente e paro no sinal fechado do cruzamento onde viraria a esquerda para seguir para o Rio. Ao meu lado uma moça igualmente aguarda em seu carro a abertura do sinal. Eu na faixa de dentro, ela por fora. Luz verde, dá-se a largada, entramos juntos na curva. Ela faz a curva mais fechada do que devia e arrasta sua lateral por todo o meu paralama. Cruzamento lotado, guarda municipal, PM, tudo o que você possa imaginar.Paramos do jeito que estávamos. Lata enganchada em lata.
E começa a velha discussão de quem paga o quê. O trânsito fluindo com dificuldade, o PM ainda do outro lado da rua. Naquela “paga, não pago” eu me esquentei. Não vai pagar? Então vai ganhar um prejuízo também. Fui até o carro e peguei um enorme cadeado que, junto com uma corrente de navio atrelada ao banco, faziam a “tranca” do meu carro. Eu sei, o banco saía à toa, mas teoricamente o ladrão não saberia disso.  A intenção: usar o cadeado como soco inglês e estourar o parabrisa do carro da cidadã. Volto e me aproximo do carro dela com o cadeado entre os dedos.
Depois disso as lembranças são vagas e me vêm como flashes. Uma gravata por trás, minhas costas batendo no chão. Havia uma mulher montada em mim, mas não me lembro de ter prazer. Só me lembro da chuva de socos que caía sobre a minha cara e eu tentando desviar com as mãos. De cada cinco socos, dois acertavam meu focinho. O soco nem era forte, mas como a maluca era rápida! Os carros continuam passando, vejo de relance o PM se aproximando e segurando ela pela roupa. “Não bate no doutor, não!”, brada o homem da lei, me salvando do ataque furioso de uma louca com TPM.
Pra encurtar o vexame: voltei pra casa com a lata amassada. A do Fusca e a minha. E claro, tratei logo de inventar uma história sobre como briguei no trânsito com um cara grande, forte e sem coração. Não preciso dizer que, desde então, nunca mais sonhei em chegar as vias de fato com outra mulher.
E o Fusca? Triste fim o do meu companheiro. Cerca de dois anos depois eu o levei com alguns defeitos elétricos até um mecânico. Disse que achava que a bateria do carro não estava boa. Ao que ele respondeu prontamente: “A bateria está ótima... Seu carro que é uma merda!”