segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Explicações

A carta publicada no post anterior nasceu de um desabafo após um momento extremamente desagradável que vivi. Esta carta foi enviada no mesmo dia para vários meios de comunicação através da internet. Apenas um deles, o Jornal do Brasil, enviou uma resposta junto com uma pedido para que eu autorizasse a publicação da mesma. Assim foi feito e no dia 9 de novembro de 2006 a carta foi publicada parcialmente na seção "Leitor Repórter", causando alguma repercussão. Em seguida, no dia 12 de novembro, a mesma carta foi publicada, desta vez na íntegra como "O Melhor da Semana". Foi importante na época ter recebido apoio de um jornal e mais importante ainda perceber que falar pode surtir algum efeito. Estamos tão acostumados à passividade, a acreditar que as coisas não tem solução, que ficamos apáticos quando deveríamos reagir. Fica o exemplo.


quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Carta à PMERJ

Rio de Janeiro, 07 de novembro de 2006.

À caríssima (com duplo sentido) Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro


Escrevo para lhes agradecer pelo excelente serviço prestado na noite de ontem a este cidadão que vos escreve. Agradecer pelo maravilhoso retorno que tive de cada centavo pago em impostos. Agradecer por fazerem de minha família uma simples refém nas mãos daqueles que verdadeiramente mandam neste estado. Gostaria de estender ainda este agradecimento a alguns ilustres de nossa política, como a ilustre governadora, seu secretário de segurança e o comandante da referida instituição.
Porque ontem, às 22:30h assisti minha esposa ter todos os seus pertences roubados sob a mira de uma arma, em frente a minha casa. Da janela assisti a tudo e, durante todo o desenrolar do crime, como um bom cidadão que não tem arma em casa, liguei para o serviço de "emergência" 190. Fiquei 10 minutos ouvindo uma gravação me dizer que "todos os atendentes estavam ocupados". Pois os assaltantes levaram os pertences de minha esposa e de um vizinho nosso. Quando consegui ser atendido, os bandidos já estavam longe. E para aumentar o meu espanto e indignação, exatamente às 0:35 uma dupla de policiais militares apareceu na minha porta para me perguntar onde estava a vítima. Piada? Seria, não fosse a tragédia da situação.
Na delegacia, onde fui para realizar o boletim de ocorrência fui informado que a dupla de assaltantes já vinha sendo perseguida no começo daquela noite por haverem roubado um carro. Pois a perseguição não logrou êxito, uma vez que os mesmos ficaram parados na minha rua, esperando pela próxima vítima. Fui informado ainda que, após o acontecido em minha rua, os mesmos voltaram a ser perseguidos e novamente escaparam, abandonando o veículo com todos os documentos das vítimas (embora nada de valor, como celulares, jóias e dinheiro houvesse sido encontrado).
Pois é, senhores, mais uma vez os criminosos desapareceram "nas barbas" da polícia. Felizmente desta vez, nenhum cidadão foi acidentalmente baleado durante um tiroteio à esmo, como o que vemos semanalmente no noticiário. Afinal, se for para balear um cidadão, o melhor mesmo é que a polícia deixe os criminosos fugirem, do que trocar tiros estando cercado de civis.
Não escrevo pelo dinheiro roubado. Porque, ao contrário de muitos que estão no poder - e não me refiro especificamente a ninguém, a menos que a carapuça lhes sirva - minha família ganhará o dinheiro novamente com o suor de nosso rosto. O que me deixa indignado é a perda daquilo que nos é mais importante. Nossa liberdade. O direito básico de ir e vir. Porque sem segurança, ninguém se sente à vontade para exercê-lo com plenitude.
O que me deixa pasmo é ligar para o 190, horas depois do fato ocorrido, com o único intuito de desabafar com o primeiro ser humano que atendesse à ligação e, depois de longamente explanar minha indignação, ouvir do policial que me atendeu a justificativa para a inoperância da corporação. Contou-me que a polícia tem poucos carros - ou viaturas -, poucos homens - ou contingente -, atende a inúmeros trotes que ocupam indevidamente seus policiais e que, portanto era humanamente impossível cobrir todo o estado com eficiência.
E aqui eu gostaria de colocar algumas perguntas, embora queira também deixar claro que não espero e nem acredito que alguém se dignará a respondê-las.
- Porque um serviço que supostamente é de emergência possui "espera" eletrônica? Não seria o caso de ampliar a rede até que isso não mais acontecesse?
- Porque a polícia não passa pelo menos uma vez por dia em patrulhamento por todas as ruas de cada bairro, para se fazer presente?
- Porque a polícia persegue criminosos apenas até o momento em que eles adentram em suas comunidade, território tão proibido e perigoso que até os policiais não se arriscam a menos que seja em operações previamente programadas?
- Porque a polícia não contrata homens e compra carros até o limite que permita uma boa cobertura de todo o território a ser defendido?
- Quando um cidadão paga imposto, onde está incluído o pagamento pela segurança, e não recebe esta segurança de volta, tem direito a ser ressarcido pelo serviço mal prestado?
- E caso tenha direito a este ressarcimento, mesmo que após longo e sofrido processo cível, receberá o cidadão a sua indenização em dinheiro ou em precatórios que não serão descontados nem pela sua terceira geração?
- É certo um policial que atende aos chamados de emergência assumir a inoperância da corporação como um todo?
- E se esta corporação é realmente inoperante, a quem deve o cidadão recorrer para ter direito à segurança?
- E por fim, encontrem um mínimo de integridade e sinceridade em vossas almas e me respondam se, ao ler diariamente os jornais, ver os noticiários na tv, ou mesmo lerem relatos como o meu, vossas senhorias responsáveis em grau maior ou menor por esta situação caótica do nosso estado, não sentem vergonha por passarem diariamente para o povo a imagem de serem incompetentes, ineptos, inoperantes, insensíveis e incapazes?
Porque, senhores, quando eu falho no meu trabalho - e todos falham, em grau maior ou menor - eu me sinto mal. Eu procuro consertar o que fiz errado. Ou pelo menos me desculpar por aquilo que não está ao meu alcance consertar. Vossas senhorias não se sentem mal? Não se envergonham perante seus colegas e familiares? Certos sentimentos são humanos e, supondo que nenhum dos senhores tenha sido trazido por uma espaçonave, devem ter medo, vergonha, tristeza, frustração, compaixão, entre outros. Ou estarei enganado?
Não tenho esperança, infelizmente, que este estado venha a melhorar neste ou nos próximos governos, porque os anos de descaso fez de vocês como autoridades e de nós como cidadãos, reféns de algo que lhes foge ao controle. A ponto de um crime ser cometido dentro de uma ilha - como o que ocorreu comigo, na Ilha do Governador - que tem apenas uma entrada e saída, e mesmo assim os criminosos ficam “foragidos” dentro de uma ilha. Contando isso em países mais civilizados isso pode soar como piada. Mas brasileiros, autoridades ou cidadãos, não entendem, não conhecem e nunca foram apresentados a nada relacionado à civilidade. Lamento por mim, que não tenho a quem recorrer. Mas também lamento por todos vocês. Porque um dia isto se tornará tão grande que passará a atingir mais do que a classe média. Um dia eles serão maioria - até porque os governantes se esforçam para aumentar a massa de pobres do país - e, neste terrível dia, eles tomarão mais do que a carteira e o celular de um cidadão. Eles tirarão mais do que a vida de pais de família em troca de carros. Eles tirarão o pouco de poder que lhes resta. Eles lhes arrancarão de suas poltronas e de seus palácios, arrombarão seus carros blindados e invadirão suas casas com seguranças e circuito interno de tv. E neste dia talvez eu me sinta melhor. Pelo menos vocês terão sentido na pele, aquilo que todos nós vimos sentindo há décadas. E, sinceramente meus senhores, parcas autoridades que me governam: neste dia eu espero estar do lado deles.

Fernando Luiz da Rocha Freire Júnior