sexta-feira, 4 de março de 2011

Cabeça Oca e Pés de Barro

O mundo está evoluindo. É um fato. Ainda que lentamente, percebe-se aqui e acolá uma melhora na consciência coletiva em relação a muitos problemas. As questões sociais dos excluídos, a pobreza, a deterioração do meio ambiente e outros assuntos têm sido cada vez mais discutidos. Não que isso garanta a solução de nada, mas acena com possibilidades muito melhores e maiores do que imaginávamos há 10 ou 20 anos.
Mas há outro lado que me assusta nesta nova sociedade: os ídolos distorcidos que ela incensa. Não sei se a internet é a causadora ou apenas veio sedimentar uma tendência moderna, mas o fato é que a sociedade está admirando as pessoas erradas e o pior: pelas razões mais absurdas.

Todo mundo sabe que sou fã do BBB, o quanto me divirto com aquele “freak show”, mas vejo aquilo apenas como uma das minhas dezenas formas de lazer. Entretenimento puro. No entanto estive no shopping onde foi montada a Casa de Vidro e lá fiquei admirando e tentando entender por alguns minutos o que se passava.
Ali estavam seres humanos numa jaula, sendo assistidos por outros seres humanos em frenesi. O zoológico moderno. Só que, ao contrário do zôo tradicional, os animais confinados não tinham o olhar triste das feras desterradas. Era uma histeria coletiva, dentro e fora das “grades”. Uma catarse que seria um prato cheio para um sociólogo.
Não entendo, mas respeito. Esta semana o apresentador Pedro Bial citou Napoleão em um de seus discursos pré-eliminação – no que, aliás, é o único momento realmente cultural do programa. Tudo correu bem, as pessoas saíram da casa, a programação seguiu normalmente e eu pulei para o pay-per-view. Quem teve o desprazer de assistir, deparou-se com diálogos que poderiam ser engraçados. Poderiam. Mas eram lamentáveis.
Paula perguntou a Jaqueline quem era Napoleão. Esta respondeu que era aquele do ditado “Foi assim que Napoleão perdeu a guerra...”. Não satisfeita com a resposta, Paula foi atrás de Rodrigo que não conseguiu ir muito além de “Ele era francês... Conquistou a nação...”. E daí pra frente é melhor nem comentar.
São estas pessoas que, ao saírem da casa, serão idolatradas. Ainda que por um curto espaço de tempo, elas provocarão tumulto onde estiverem. Serão convidados VIPs em festas, serão entrevistados e terão suas idéias e opiniões, ainda que estapafúrdias, divulgadas em todos os meios de comunicação.
Somos uma sociedade deficiente de ídolos ou com valores deturpados que nos fazem idolatrar as aberrações?
O cantor mais idolatrado não é o que tem a melhor técnica vocal. É o que faz o melhor marketing, o que usa o cabelo certo e a roupa certa.
O jogador de futebol com mais fãs não é o mais habilidoso ou que faz mais gols. É o que aparece nos jornais com as melhores mulheres, nas melhores casas noturnas e com o melhor carro.
Não estou aqui defendendo a utopia de que as pessoas gritem no shopping quando virem um cientista que pesquisa a cura para o câncer, muito menos que desmaiem ao esbarrar com aquele empresário que mantém uma obra social que atende centenas de crianças. Não se trata disso. Mas acho que precisamos rever os valores que nos levam a endeusar qualquer pessoa. E não precisamos ir muito longe para citar exemplos.
Ayrton Senna era um ídolo do esporte, com comportamento exemplar. Zico, Roberto Carlos – o cantor, Paulo Coelho e outros tantos reconhecidos por seus verdadeiros talentos e que, além disso, mantém posturas e condutas adequadas. Em resumo: servem de exemplo. Afinal não é para isso que servem os ídolos? Permitir que um pai os aponte para seus filhos e diga que aquele é um exemplo a ser seguido?
Gostaria muito que as pessoas pensassem nisso. Você gostaria que seu filho seguisse o caminho daquele a quem você tanto idolatra? Se a resposta for não, imediatamente destitua o ídolo de seu posto, pois ele não o merece.
Talvez os próprios ídolos não tenham consciência de sua importância para a evolução de uma sociedade. Quando um pai aponta com idolatria, por exemplo, para o jogador Adriano, seu filho aprende que aquele é um modelo a ser seguido. Isso é muito grave e pode trazer um custo enorme para o nosso futuro.

Napoleão seria famoso nos dias de hoje? Claro que sim. Desde que ele fosse ao programa do Ratinho para ser confrontado com suas duas ex-esposas, Josefine e Maria Luisa sobre uma possível traição ou um teste de DNA. Ou que se sentasse no programa da Marcia Goldsmith para discutir com Robespierre sobre as sujeiras da nobreza.

Como? Quem foi Maria Luisa e Robespierre? Eu sabia que estava falando com as paredes. Pode voltar pra assistir BBB.
Tem algo muito errado nessa escala de valores. Nossos ídolos têm pés de barro e nossos santos são do pau oco. Lástima.