segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Prosopopéia Flácida

Desde que o exame nacional do ensino médio foi instituído, a internet passou a propagar os absurdos escritos pelos estudantes neste imenso país. Tenho certeza que você já recebeu pelo menos um destes e-mails com a coletânea anual de baboseiras recolhidas pela banca que corrige as provas. E você certamente ficou achando que muitas daquelas respostas foram criadas apenas para gerar a piada, tamanho o absurdo nelas contido.

Engano seu. Quem conhece algum professor de ensino médio ou mesmo de algum curso superior, já ouviu histórias sobre o baixo nível de nossos alunos. Jovens que não conseguem encadear idéias, desenvolver raciocínios e expressar seu conhecimento na forma de palavras. O vocabulário é pequeno, a gramática é violentada e a ortografia foi abolida há muito. E, segundo as médias do ENEM, esse tipo de jovem é a regra. Anos de descaso e políticas de ensino medíocres acabaram nivelando por baixo o nosso aluno. Eles são a nova regra.

Recentemente um jornal de grande circulação publicou uma entrevista com professores de várias matérias. Com a óbvia exceção do mestre que lecionava Língua Portuguesa, os demais confessaram não subtrair pontos na resposta de seus alunos quando estes cometiam erros gramaticais ou ortográficos. Como assim? Então o sujeito escreve “pobrema” na prova de História do Brasil e tudo bem? Sim, segundo a nova regra, tudo bem. O que importa é o conteúdo, a essência da resposta. Mas o “pobrema” é que o aluno, além de escrever errado e não respeitar as mínimas concordâncias gramaticais, não demonstra um mínimo de coerência ao tentar responder a mais simples das perguntas.

Ficou na minha cabeça a expressão de um deles este ano, quando discorria sobre a ineficiência do poder público diante de certos problemas sociais. Dizia ele que alguns políticos se utilizam de uma “prosopopéia flácida” durante as eleições, prometendo muito e realizando pouco. Depois do inevitável acesso de riso ao ler tal devaneio, tive vontade de puxar a cordinha do país. Pára que eu quero descer! Não se pode negar que o cidadão foi de uma imaginação inigualável. Sua salada de palavras me lembrou uma crônica de Luis Fernando Veríssimo, onde ele utiliza várias delas fora de seu significado natural. Só que nesse caso o recurso foi usado intencionalmente e de forma genial. O aluno o fez por absoluta falta de vocabulário, numa tentativa desesperada de tornar o texto mais culto. Ele conseguiu transformar “discurso vazio” em “prosopopéia flácida”.

Muitos devem estar culpando a internet por estes absurdos. Como a geração anterior culpou a televisão e antes disso ao rádio. A verdade é que nunca se escreveu e se leu tanto como nestes tempos de Googles, Wikipedias e blogs. Claro, muitos escrevem mal, abreviando o impossível e criando palavras com a fertilidade de um coelho, mas estão inegavelmente lendo e escrevendo mais do que a geração passada. Não me parece que o problema esteja na internet ou no uso que se faz dela. Assim como não estava na TV nem no rádio. Tais avanços foram difundidos em todo o mundo civilizado e não soube que tenha causado tamanho dano em países mais desenvolvidos. Para achar um culpado, busquem entre aqueles que determinam os rumos da educação neste país. Pessoas que ao longo dos anos se encarregaram de degenerar todo um sistema. Do salário dos professores, passando pelas licitações fraudulentas para construção de escolas e compra de merendas, até leis estúpidas que ajudaram a nivelar por baixo toda uma geração de estudantes, como sistema de quotas e aprovações automáticas. Muito papo e pouca ação. E todas erradas. “Prosopopéia flácida” de uma política vazia.


“Prosopopéia flácida”. Nunca mais esquecerei a expressão. Fiquei imaginando um remédio para esta grave patologia. Uma espécie de Viagra da oratória, que curasse a verborréia dos políticos, lhes tirando a prolixidade e lhes devolvendo a dureza do discurso, restabelecendo a retidão do caráter e promovendo a firmeza dos ideais. Neste país venderia como água! Ou não.

4 comentários:

Ana Lúcia Prôa disse...

Seu texto me fez lembrar da professora da Carina, no ano passado... Em pleno primeiro ano (ex-classe de alfabetização, vulgo CA), lá fui eu, no terceiro bimestre, participar de uma reunião de pais e professores, na qual receberíamos as últimas provas. Carina só tinha tirado notão: 10, 9.8, 9.6... Qualquer mãe sairia de lá orgulhosíssima. MAS EU FIQUEI ARRASADA. Veja só os exemplos:

Prova de português, interpretação de texto:
Por que Cascão fugiu quando viu a nuvem?
R.: esjhggaosu deg egodfa chgddfo. (letra de lápis da Carina). Em caneta azul, ao lado: Porque ele viu que ia chover. E de caneta vermelha, um tremendo certo!

Prova de ciências:
Cite três mamíferos.
R: daugi cksfy gahys. (E ao lado em azul: Leão, cão e gato.) CERTO!!!!

Fui reclamar e a professora disse: MÃE, ELA SABIA A RESPOSTA, SÓ NÃO SOUBE ESCREVER (em pleno mês de setembro, no CA!, pensei eu!). MAS ELA ESTÁ CONSTRUINDO O CONHECIMENTO.

Bem, na minha concepção, eu não mandaria apenas a aprovação automática e o sistema de cotas para o c..., mas também este tal de CONSTRUTIVISMO!

Milana foi alfabetizada à moda (quase antiga) e rapidinho estava lendo e escrevendo.

Ai, que saudade do “vovô viu a uva”...

Beijos!!!!!!!!!!!!!

Ana Lúcia Prôa disse...

Ah, só mais uma coisa... Como vc vê, estou com tempo ocioso agora no trabalho, tanto é que fiz quase um post como comentário, kkkk! Mas aqui vai uma sugestâo (apenas uma sugestão, não é uma crítica): que vc tente escrever os textos um pouquinho menores, pra se encaixarem melhor na velocidade da internet.

Sei que muitas vezes tb peco pelo excesso, mas sempre ouço este mesmo comentário das pessoas... Por isso, como vc é um TREMENDO BLOGUEIRO, passo a mensagem adiante.

BEIJOS GRANDES!!!!!!!!!!!!!

S.M disse...

OI meu bem , então me tornei inesquecivel pra vc???!!! pois a redação foi feita por mim kkkk
Claro que eu era muito jovem e não tinha muita noção do que falava , ou quase nenhuma ..rs, Enfim tb jamais esquecerei, pois agora são vcs que não me deixam.

bjus

S.M disse...

prosopopéia flácida = conversa mole ..rsrs essa era a idéia