terça-feira, 16 de setembro de 2008

Rampas no Olimpo

Passei as última semanas tentando escrever algo sobre as olimpíadas mas não conseguia passar do segundo parágrafo. O texto sempre estava crítico demais, intolerante demais e azêdo em excesso. Porque eu fui contra os jogos desde a escolha de Pequim como sede. Não achava que a China, um país que mantinha outro, o Tibete, sob seu domínio de forma violenta e, mais do que tudo, violava os direitos civis de seus cidadãos, não merecia nenhuma dose de atenção do mundo dito livre. Por muito menos o senhor George Bush Jr. invadiu o Iraque, capturando e executando seu líder máximo. Mas isso é outro assunto.

O fato é que as olimpíadas aconteceram e eu não estava nem aí para nenhuma competição. Claro que foi inevitável assistir (e me emocionar) com a vitória das meninas no vôlei de quadra e com o segundo lugar das meninas do futebol. Mas no geral eu não dei a mínima bola para o que acontecia. De algum modo eu lamentava que as atenções do mundo estivessem voltadas para um país que vivia de aparências e farsas democráticas como a China. Tinha a certeza que o Barão de Coubertin estaria igualmente envergonhado e talvez até revoltado.

Os jogos terminaram e logo em seguida tiveram início as paraolimpíadas. Como sempre, de forma discreta, merecedora de pequenas notas aqui e ali em alguns pés de página e sites, os esportes praticados pelos deficientes nunca chamaram a atenção do grande público. Mas, se a China tinha algo para ensinar ao mundo, este foi o momento da lição. De longe eles realizaram a maior paraolimpíada da história. Um público nunca visto - pagando pelos ingressos - interessado, vibrando e torcendo por aqueles que talvez sejam os verdadeiros heróis olímpicos.

Se o governo chinês é um mau exemplo no modo como trata seus cidadãos, estes por sua vez mostraram ao mundo que os atletas merecem mais do que temos lhes oferecido. Mais do que cuidados especiais e adaptações, eles merecem a nossa atenção. Se eles carregam alguma deficiência física, nós, ditos "normais", também temos as nossas. Só que eles aprenderam, muitas vezes da forma mais dura, a superar suas dificuldades. E nós muitas vezes caímos aos pés das nossas. Quem é o fraco? Quem pode mais?

Cesar Cielo, Michael Phelps e outros tantos heróis olímpicos dedicaram suas vidas ao esporte e colheram os frutos. Alguns puderam contar com o que de melhor havia para seu crescimento como atletas, outros tiveram que penar para conseguir comprar um simples equipamento. Que investimento e infra-estrutura são importantes na formação de um atleta é algo indiscutível. Mas como o soldado Fidípides, cuja história inspirou a maratona, a vontade ainda é o maior incentivo. Sangue, suor e lágrimas.

Tapa na cara de muitos analistas e comentaristas esportivos que justificavam o pífio desempenho da equipe brasileira nas olimpíadas com o velho argumento da falta de investimentos e trabalho de base nas escolas. O que dizer então dos atletas paraolímpicos? Será que eles recebem enormes patrocínios de empresas gigantes? Será que as escolas agora dão preferência aos alunos com deficiências nas aulas de educação física? Obviamente que eles caminham muito mais à margem nesta estrada. Quando não estão no acostamento quase sendo empurrados para o meio do mato. Neste país eles mal podem exercer seu simples direito de ir e vir porque nada aqui é adaptado para eles. Calçadas horrorosas, falta de rampas, ausência de sinais sonoros, transporte público adaptado raro, tudo é feito para sitiar o deficiente.

Pois nossos atletas paraolímpicos, tão acostumados a se superarem nas tarefas mais simples do cotidiano, mostraram que muitas vezes a garra e a vontade de vencer valem mais e podem muito mais do que um patrocínio milionário ou uma mega estrutura de treinamento. Como Caio Julio Cesar, eles foram até a Ásia e agora podem repetir a frase do célebre general romano: "Vini, vidi, vinci." Eles vieram, viram e venceram. E nós agradecemos a lição.

Portanto, peço desculpas aos chineses pelo meu pré-julgamento. Os jogos olímpicos foram recriados na era moderna com o intuito de integrar os povos. Talvez estes jogos entrem para a história como aqueles que reintegraram uma minoria esquecida. Eu aplaudo, assim como acredito que Pierre de Coubertin o faria.

4 comentários:

Ana Lúcia Prôa disse...

Pierre de Courbertin??? Viva o Santo Google: O FUNDADOR DAS OLIMPÍADAS, kkkkkkk! Desculpe, querido, mas há 3 assuntos nos quais sou uma anta: política, economia e... esportes! Não gosto de escrever nem de ler sobre o assunto. Mas gostei muito do seu texto, pq apenas um coração sensível como o seu é capaz de dedicar alguns momentos para escrever sobre ESTES EXEMPLOS MARAVILHOSOS DE SUPERAÇÃO que são os paratletas. Obrigada por me lembrar da importância deles para o mundo, obrigada por me brindar com mais um texto ótimo seu!!!

Korpus Academia disse...

Po kra detonou! Excelente post! Vc enxerga oq a maioria do povo nao consegue enxergar. Parabens!!!

Helena Vox disse...

Bull's eye! Novamente vc acerta em cheio. Realmente o deficiente é tratado como um zero à esquerda neste país. Mas que fique claro que ese nao é um "privilegio" só nosso. É um dos milhoes de detalhes que nos tornam um pais de terceiro mundo. Parabéns Pumpkin, o teu blog esta cada vez mais lindo! Bjos

Marco Pacheco disse...

Nobre amigo,
mais uma vez brindando-nos com um excelente texto.

Existe sim uma grande empolgação e um grande oba-oba em torno das olimpíadas e, sinceramente, acho justo! E muitas modalidades, ir às olimpíadas é a única forma do atleta ganhar certa visibilidade e ter algum retorno financeiro. Muitos atletas treinam anos a fio sem nenhum retorno, em ajudas etc...

Todavia, ver a superação daqueles que a sociedade marca como incapaz toca até mesmo corações insensíveis.

As olimpíadas mostra-nos que somos seres capazes de muito, mas a para-olimpiadas mostra-nos que somos seres capazes de tudo.

Parabéns aos nossos atletas, olímpicos e para-olimpicos. E mais uma vez, parabéns ao Fernando por levar-nos a reflexão/

Cordialmente,
Marco