segunda-feira, 30 de junho de 2008

Uma vez primatas...

"Terça não dá, é dia de pelada com a galera!”

Toda mulher já ouviu essa frase de algum amigo ou namorado. O futebol com os amigos é uma instituição intocável para a maioria dos homens. Obviamente essa não é a minha praia e muitos são os motivos para esta exclusão.

Pra começar, eu não sei chutar uma bola. Eu sou praticamente um Curupira. Chuto pra um lado e a bola vai sempre para outro. Tenho os pés pra trás. Desde o primário eu era o último a ser escolhido na hora de repartir os times. Se o número de pessoas fosse ímpar, eu ficava de fora. Não é um trauma, uma mágoa, nada disso. É apenas um fato que eu aprendi a aceitar logo na infância. Eu era muito bom em outras coisas, como natação, basquete e tênis. Futebol não. Pronto, resolvido. Outro motivo, muito mais importante, é que eu odeio homem suado. Principalmente esbarrando em mim. Só aturo meu filho e mesmo assim em situações muito específicas.

Porém eu sempre tive amigos que jogavam sua pelada semanal, no colégio, na faculdade e mesmo depois disso. E muitas vezes eu os acompanhava, assistia ao jogo e esperava pela cerveja no final da partida. Posso garantir às mulheres que não existe um ambiente mais masculino do que aquele. Homens quando estão em grupo e longe de olhares femininos costumam sofrer uma involução temporária, como se retornassem à sua forma mais primitiva durante aquele período. Pra começar os gestos ficam mais amplos e o volume da voz sofre um aumento médio de 50%. O vocabulário também se reduz a uma combinação de palavrões costurados vez por outra com preposições e artigos. E isso tudo acontece antes do jogo começar. É como um ritual de preparação para a partida que virá a seguir. Naquelas toscas preliminares eles estão apenas injetando testosterona na corrente sanguínea. É a versão civilizada da "Montanha dos Gorilas".

A partida tem início e fica ainda mais clara a percepção de que eles voltaram à vida selvagem. Pra começar em toda pelada existe o cara que é muito bom, joga mais que todo mundo, faz mais da metade dos gols da partida e é o único que tem uma chuteira profissional. O apelido em geral é o diminutivo do nome – “Pedrinho sabe tudo de bola...”. Ele sabe que é bom, os outros concordam e enaltecem essa qualidade. Normalmente tem o melhor físico entre os jogadores. Ele é o macho alfa, o dominante. O grupo, no caso o time, joga pra ele. Ele reclama de todo mundo, mas ninguém ousa repreendê-lo. É aplaudido até quando erra o gol. No extremo oposto está o cara que joga mal, mas é gente boa, esforçado. Esse normalmente é zagueiro e fica plantado na área esperando a chance de dar uma porrada na canela de alguém. Chamam ele pelo sobrenome – “Ô, Almeida, marca o cara da esquerda!”. Como não adiciona nada para o seu time, fica encarregado de subtrair do time oposto. Em geral é o mais barrigudo e já tem uma acentuada calvície. Entre estes dois tipos está todo o resto: o pessoal que corre, que transpira, que bate boca e disputa cada jogada como se as vidas estivessem apostadas.

Entre 30 minutos e 1 hora depois (dependendo da idade e do tamanho da barriga dos jogadores) a partida chega ao fim e eles se sentam para debater sobre tudo o que aconteceu durante o jogo. Tendo como combustível a cerveja, tem início a mesa-redonda. Se eventualmente algumas mulheres conseguem assistir ao jogo, nesse momento elas têm vontade de desaparecer dali. Mulher odeia debates sobre futebol. Ela não assiste nem o “Bem Amigos” do Galvão Bueno que tem o Kaká com seu sorriso de bom moço, imagina se ela vai assistir a uma mesa–redonda da quinta divisão! Mas os homens adoram esse tipo de conversa. É a hora de tentar reverter na conversa o que não foi possível com a bola nos pés. Hora das desculpas para os maus desempenhos – “Pô, torci o tornozelo na escada do trabalho...” ou “Cara, preciso ver esse meu joelho...”. Também é o momento da troca da guarda. A mudança no posto de macho dominante – “SUDERJ informa: sai Pedrinho, entra Almeida!”. Porque nem sempre o alfa do campo é o alfa da mesa. Agora quem dá as cartas é o macho que agüenta mais a bebida e conta as melhores piadas. Ele é o centro das atenções – “Almeida, conta aquela do português tarado e o padre...”. Sim, porque, nestas ocasiões, piada que se preze precisa envolver ou um estrangeiro, ou uma religião, ou muita sacanagem. Se possível tudo numa piada só.

Os minutos vão passando, o grau etílico dos debatedores vai aumentando e a turma começa a se dispersar. O Pedrinho, por exemplo, precisa ir porque é solteiro e ainda tem duas festas pra “dar uma passadinha” antes de ir pra noitada. Cada um tem um compromisso, um motivo para escapar dali. Trabalho a fazer, acordar cedo no dia seguinte, já bebeu demais, pegar o filho na casa do amigo... É a hora de mostrar que, mesmo naquela bagunça toda, todos são homens responsáveis e sabem a hora de parar. Menos um, o Carlão, que normalmente fica zangado e ameaça brigar com todo mundo que diz que vai embora. Pra ele nunca está tarde, nunca se bebeu o bastante. Bate na mesa, diz que todos são uns bundões e que não são mais os mesmos. Quando o Almeida diz que vai embora porque “a patroa está esperando e ele prometeu levá-la ao shopping”, o Carlão se levanta, faz discurso, precisa ser contido porque já bebeu demais e quase enfia a mão na cara do amigo. Aliás, diz que não é mais amigo de cara que usa coleira. Alguns dão razão ao Almeida e os outros botam panos quentes. O Carlão sai batendo os pés e esbravejando. Promete que não volta semana que vem. Mas até lá ele já se esqueceu da promessa e a pelada estará garantida.

Definitivamente não é a minha praia.

3 comentários:

Ana Lúcia Prôa disse...

GOSTEI MUITO! PARABÉNS!

A cada história sua vou visualizando um livro pronto. De um cronista que observa a essência humana de maneira muito interessante e caricata.

Adoro ler seus textos!

Vai produzindo, que um dia irei publicá-los!

BEIJOS!

Helena Vox disse...

adorei o texto, até porque nao suporto homem que é fanático por futebol. já basta o meu pai que assiste até a serie C do campeonato iraniano!!rsrsr
continua escrevendo!
bjos

Unknown disse...

Meu filhinho,que me lembre vc nadava maravilhosamente e jogava muito bem basquete,mais como sempre não era do que vc mais gostava.Continuo a falar o jornalismo te espera.Beijos.